domingo, 29 de julho de 2007

A travessia

A travessia atlântica dos negros africanos, durante séculos de tráfico escravista, foi o maior movimento migratório que o mundo conheceu. Mas ao contrário do que pretenderam aqueles que os escravizaram, eles não eram meras máquinas produtivas. E sim os rigorosos senhores de toda uma imensa riqueza humana e espiritual. Obrigados a cruzar o mar oceano em sórdidos navios negreiros, carregaram consigo o brilho dos seus saberes, das suas técnicas, dos seus símbolos. Felizmente muitos deles vieram dar em nossas latitudes tropicais. Puderam assim participar, ativa e criativamente da invenção de um país chamado Brasil. E foram tão fundo, nesta aventura construtiva, que hoje eles somos nós. Sim. Trazemos a presença de uma África centenária, milenar mesmo, em nossos códigos genéticos e simbólicos. Em nossas células e em nosso imaginário. Em nossa memória gestual e muscular. Antes que escravos passivos, os negros foram sujeitos vitais de nossa história. Inscreveram na constelação brasílica as suas cores e suas dores, os seus ritos e ritmos, candomblé e afoxés. Uma vitória espetacular. Graças a isso tornou-se possível a configuração, entre nós, de uma cultura sintética e sincrética. De uma cultura que, incorporando todos os nossos antepassados, nos defini e nos singulariza na aldeia global. E faz com que sejamos, nesse momento da peripécia histórica da humanidade, portadores de uma mensagem de alcance planetário.
Antônio Risério